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ARTIGOS

NOVAS DIMENSÕES EM TREINAMENTO

 

Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira

 

 

O objetivo desse trabalho é discutir a ação de treinamento em toda a sua extensão, estabelecendo, dentro de novas dimensões, os limites que hoje definem seu campo de responsabilidades e demonstrando a sua racionalidade como atividade de intervenção nas organizações.

 

Como ponto de partida, proponho que treinamento seja entendido como parte de um processo empresarial que visa a melhoria de resultados organizacionais através de análise e melhoria de desempenho dos indivíduos.

 

Utilizo esse conceito como orientador do trabalho, esperando deixar claro, à medida que o aprofundo, que é grande a distância que o separa da realidade.

Do desdobramento do conceito básico que utilizo deriva, teórica e operacionalmente, a sugestão de uma nova e mais abrangente atuação para nossos técnicos de treinamento, visando a corrigir uma deformação funcional adquirida ao longo de anos.

 

É sabido que no conjunto das funções que compõem a Administração de Recursos Humanos, o Treinamento poderia ser o maior influenciador dos resultados organizacionais, por lidar, justamente, com o desempenho dos indivíduos que são os geradores primários desses resultados. No entanto, o que se obteve até hoje não satisfaz aos administradores mais exigentes tendo em vista o volume dos recursos gastos comparados com os resultados. Se nos fosse pedido para relacionar aos registros contábeis das despesas de treinamento às melhorias produzidas nos resultados funcionais e finais das organizações, a conclusão, certamente, seria muito embaraçosa (para todos).

 

Considero que dar à função de Treinamento uma fisionomia pertinente ao conceito que estamos defendendo, implica na consideração de três problemas, que devem ser levados em conta e superados no âmbito das Organizações como um todo: um de ordem estrutural, um outro de ordem técnica e um último de ordem comportamental.

 

O problema estrutural

 

Sempre me pareceu que a formulação teórica de treinamento - como atividade de natureza essencialmente pedagógica, voltada para a mudança de comportamento dos indivíduos - limitou e confundiu os técnicos quanto a seu compromisso profissional, a serviço das Organizações. Considero que a ênfase na orientação pedagógica estreitou a responsabilidade da atividade de treinamento, formatando-a, unicamente, como o objetivo de ensino. “Proponho enxergar treinamento como uma atividade “multilógica” ao invés de ”pedagógica", centrada nas relações que os indivíduos estabelecem com suas realidades de trabalho e nas conseqüências que essas relações produzem em outros níveis ou processos. Ou seja, para que se cumpra o compromisso do treinamento para com a melhoria dos resultados organizacionais, é necessário que se questione a realidade em que os indivíduos estão inseridos e se compreenda os desdobramentos de seus comportamentos  em outras realidades. A não consideração desses aspectos talvez tenha sido a maior responsável pela deformação de treinamento no contexto empresarial.

 

Pouco ou nenhum benefício se trará a uma organização com o treinamento de um analista, por exemplo, se o seu desempenho atual não se propaga na cadeia horizontal e, portanto, não provoca nenhuma conseqüência importante fora do âmbito de seu próprio cargo. Por que treiná-lo, se o seu chefe pode controlar os erros cometidos e mandar refazer o seu trabalho, sempre que necessário, sem maiores danos para outras funções relacionadas.

 

A despeito de que esse chefe, por zeloso, exigente ou qualquer outra razão, sempre tenha a reclamar mais treinamento para aumentar a “eficiência” de sua equipe, devemos deixar bem claro que qualquer melhoria de desempenho individual, no âmbito de uma empresa, só se justifica na medida em que essa melhoria beneficie outras funções, que sejam seus clientes internos. Nenhum desempenho serve à própria função. Sendo assim, o tipo de intervenção que consulta somente ao indivíduo e ao seu cargo e deixa de considerar as conseqüências do desempenho em outros processos ou áreas afins, limita as fronteiras do treinamento e o desvia de seu compromisso para com a Organização. 

 

O caminho tradicional seguido pelas nossas empresas tem sido desenvolver um trabalho exaustivo e abrangente junto a todas as chefias, levando em conta o desempenho presente e os planos de carreira dos subordinados, que é chamado de " Levantamento de Necessidades de Treinamento ". O levantamento realizado dessa forma, oferece uma dispersão muito grande de necessidades percebidas pelas chefias imediatas, não permitindo aprofundar e consolidar conclusões em torno de problemas comuns. Torna-se difícil relacionar as necessidades levantadas ente si e inferir a sua relevância como influenciadora de resultados funcionais ou finais da Organização. 

 

O que estou propondo, para adaptar a prática ao conceito, é uma mudança de ordem metodológica na forma pela qual são analisados e diagnosticados os chamados problemas e necessidades de treinamento. Defendo a idéia de que o questionamento dos desempenhos individuais deva ser um ponto de chegada e não de partida para esta análise. Somente quem vem pelo caminho da investigação de uma problema organizacional relevante é que pode chegar, de forma conseqüente, ao questionamento do comportamento dos indivíduos. 

 

Chega-se, assim, à analise do desempenho dos ocupantes dos vários cargos, partindo-se da consideração de problemas realmente importantes, verificados nos resultados funcionais ou finais, desprezando-se os problemas menores. Daí, resulta um trabalho de análise com abrangência correta, de maior alcance, verdadeiramente conseqüente e não casuístico. 

 

O problema é que, estruturalmente, nossas empresa não possuem instrumentos claros para apuração e mensurarão de resultados funcionais e finais. Além daqueles indicadores contábeis, exigidos por lei, muito poucas informações consideradas gerenciais servem para medir o desempenho das funções e sub-funções organizacionais e mesmo o seu desempenho final. 

 

Como então definir melhorias de resultados funcionais ou finais se não há como medi-las? Como saber se o paciente tem febre se não convencionamos qual a temperatura considerada normal para o organismo? Como saber se a febre diminuiu se não medimos antes de começar a intervir? Como medir a febre se não dispomos de um termômetro? 

 

Seja na área Industrial, Financeira, de Marketing, Vendas, Materiais, Recursos Humanos  ou qualquer outra função organizacional, há uma pergunta que se impõe: A quem cabe estabelecer essas medidas padrão de funcionamento? 

 

Antes de mais nada, o que deve estar presente e servir de pano de fundo para esse assunto é a idéia fundamental de que os cargos e as funções organizacionais não podem existir por si mesmos. A menos que tenhamos muito clara essa visão, todo o esforço para definir padrões de funcionamento será inútil. A todo o cargo e a toda função estão associados " clientes ", sejam internos ou externos. Esses clientes são considerados como tal porque mantêm permanentes necessidades que devem ser atendidas por esses cargos ou funções através de serviços de variadas naturezas que lhes são prestados. Portanto, toda a função organizacional é, por natureza, uma prestadora de serviços de outras funções. 

 

Fica bastante claro, portanto, que cabe às funções " clientes " estabelecerem " padrões " sobre os serviços que recebem das funções que lhes atendem. A partir daí, desenvolver os instrumentos de medida e decidir como intervir passa a ser uma questão técnica e normativa de um prestador de serviços que deve estar comprometido em garantir um padrão estabelecido. 

 

O problema técnico 

 

O problema técnico implica numa questão de entendimento de que comportamento será sempre uma função do ambiente. 

Por isso, nem sempre a melhoria de desempenho dos indivíduos requer um programa formal de treinamento para os mesmos. Muitas vezes é necessário, antes, atuar, sobre o contexto. Esta talvez tenha sido a maior falha técnica da atividade, por onde tenha vazado grande soma de recursos sem retorno. Tentamos ensinar comportamentos novos para indivíduos que já os possuem, mas que, por alguma razão, não se manifestam e verificamos, melancolicamente, após o treinamento, que eles continuam não os manifestando. 

 

Voltando ao exemplo da secretária digitadora, que benefício seria obtido treinando-a para melhorar o seu desempenho se, mesmo produzindo conseqüências organizacionais importantes, esse desempenho estivesse sendo afetado por fatores outros, tais como pressão excessiva da própria chefia, funcionamento inadequado de seu equipamento de trabalho ou por qualquer outro problema interferente? A despeito de qualquer programa formal que lhe fosse indicado, muito possivelmente o seu desempenho real persistiria enquanto persistissem as influências desses fatores. 

 

Portanto, nesse exemplo, qualquer um dos fatores cogitados, se estivessem presentes, mereceriam ser tratados e resolvidos antes de se decidir por um programa formal para "melhorar" o seu desempenho  enquanto digitadora. Esta é uma questão chave porque, tradicionalmente, para cada intervenção de treinamento levada a efeito, supunha-se que um ou mais programas de treinamento deveriam ser executados. As Organizações são pacientes que têm ido  ao médico muito mais vezes que o necessário, a ponto de se reconhecer que, em pelo menos a metade dos casos, as chefias diretas têm em suas mãos algo melhor a fazer do que delegar ao treinamento a modificação de comportamento dos subordinados através de programas formais. 

 

O problema comportamental 

 

O terceiro problema a considerar é de ordem comportamental, como dissemos. O treinamento possui uma magia especial, uma aura própria que envolve o indivíduo e que erradamente o pode colocar como objeto do favorecimento de uma ação organizacional. Vendo-se nesse processo, apenas como pessoa-objeto, que se tornou alvo da atenção da Organização, a ação de treinamento produz nele uma sensação de gratificação e reconhecimento, ao invés de conscientizá-lo de seu papel como "sujeito" do processo, comprometido com os resultados deles esperados. Os efeitos dessa magia se transmitem ao superior imediato porque, como seres humanos, Gerentes, Chefes  e Supervisores sentem-se gratificados em poder distinguir outros seres humanos com uma ação organizacional voltada para eles. Nesse particular, oferecer a um subordinado uma "oportunidade" de treinamento, ajuda a compensar "outras injustiças" que o chefe imediato julga que a Organização venha cometendo com o seu pessoal e reduz o sentimento de "culpa por ser chefe" , muito próprio de cultura. 

 

Ora, sob os efeitos de toda essa emocionalidade, o treinamento passa a ser buscado como um tônico para o ego e um alívio para a consciência, tornando-se muito difícil trabalhar análises de desempenho e relacionar conseqüências funcionais dentro desse clima. É necessário conscientizar as pessoas que podem influenciar esse processo de que, antes de mais nada, há compromissos com a melhoria de resultados organizacionais; é necessário troná-las aptas a lidar com os indicadores de desempenho de suas áreas e da Empresa como um todo, e a administrarem os desempenhos de seus subordinados. 

 

Só um trabalho orientado para a obtenção dessa consciência e dessas aptidões pode criar dentro da Organização as condições necessárias para fazer dos nossos Gerentes e Supervisores agentes de melhoria dos resultados organizacionais. 

 

Seria o caso, por exemplo, de partir-se de um programa de treinamento, para "entender treinamento", que produzisse nos indivíduos, pela via da conceituação e da experimentação prática, evidências a respeito de 3 afirmações básicas: 

 

  1. Nenhum desempenho serve a própria função;

  2. O comportamento de um indivíduo no trabalho é influenciado por fatores externos, de contexto, que a Supervisão deve conhecer a administrar antes que qualquer ação de treinamento seja desencadeada;

  3. O treinamento é uma operação empresarial que visa à melhoria de resultados organizacionais e não pode ser utilizado para reconhecer, distinguir ou premiar indivíduos pela sua importância, esforço, lealdade ou qualquer outro atributo.

 

Se o contingente de chefia de nossas Empresas tiver, efetivamente, uma visão clara e operacional a respeito desses 3 pontos chaves que alinhamos, talvez possamos contar com parceiros mais lúcidos e preparados, e não só dispostos, para o cumprimento de nossos objetivos e alcance dos nossos resultados.

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