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ARTIGOS

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

COM OS OLHOS NO HORIZONTE E OS PÉS NA REALIDADE

 

Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira

 

1. Um cenário de referência

 

Imagine a cena: a empresa é pequena, seu faturamento mal ultrapassa os 3 milhões de reais por ano. O mercado onde atua é altamente competitivo e mal estruturado: aventureiros e inconseqüentes que trabalham à margem e quase sem custos, ocupam o andar debaixo; acima, os grandes, que têm fôlego e podem tirar vantagens da economia de escala; no meio, resta um acanhado espaço para trabalhar em moldes profissionais, no esforço heróico de buscar bons clientes e contratos dignos.

 

Na história recente desta empresa, um esforço de profissionalização que ainda não foi totalmente pago com a receita gerada por vendas difíceis e muitas vezes recebida com atraso de órgãos públicos burocráticos e imprevisíveis.

Na história futura, uma grande interrogação: valerá a pena prosseguir? O que nos faz insistir com qualidade se a recompensa, convertida em novos contratos, é tão difícil?  O que nos faz buscar a gestão profissional se o efeito, convertido em desempenho, esbarra no paredão da legislação arcaica, dos juros extorsivos e da impunidade com concorrentes desleais?

 

Reconhecem a cena? Há algo de familiar neste contexto? Pois bem, imaginem agora que no meio deste cenário tão complicado alguém proponha alto e bom som: Planejamento Estratégico! “Insano!”, dirão alguns; “poeta!”, completarão outros; “viajou!” concluirão todos em coro, enquanto a cruz é levantada para crucificá-lo. Como pensar em coisa tão inoportuna, exótica, fora de propósito, em meio de uma realidade tão nua e crua como essa que vivemos por aqui?

 

O contraste entre o contexto amesquinhado por dificuldades estruturais, culturais e políticas que a cena revela e a ferramenta ostensivamente oferecida por este insano poeta viajante, pode até chocar, mas serve para construir, pelo menos, uma intrigante reflexão: será eficaz tratar a miséria de um cotidiano poluído por contradições, impunidades e desmandos, com soluções limpas, feitas, quem sabe, para ambientes evoluídos e civilizados? Terão direito a soluções deste tipo empresas pequenas, esmagadas por uma estrutura competitiva e perversa, que têm que optar entre ser cabeça de mosca ou cauda de elefante?

 

2. As dificuldades comuns a contextos estruturalmente adversos

 

Contextos como os descritos acima e, afinal, tão familiares para a grande maioria dos empresários brasileiros, impõem dificuldades muito sérias à evolução dos negócios, roubam a oportunidade da maioria, permitindo que apenas uns poucos vençam legitimamente suas próprias limitações. O que os ambientes estruturalmente adversos têm em comum?

 

a)  Baixa prosperidade gerando uma dinâmica ascensional que se aproxima de zero.

 

Em ambientes prósperos, negócio chama negócio. A procura é alta e desdobra-se em várias camadas de produtos e serviços que são demandados por investimentos de infra-estrutura, nascem de projetos estruturantes ou são criados pela iniciativa privada que leva à sociedade soluções de valor. Tudo isso regulado por leis edificantes, de um Estado interessado em servir ao desenvolvimento sustentado de uma sociedade que, afinal, vem a ser a cliente final do progresso. Estes ambientes adquirem uma dinâmica ascensional própria que concede a quem serve seus clientes e respeita as regras do Estado, uma condição de crescimento crescente.

 

A baixa prosperidade, ao contrário, deprime a dinâmica ascensional e a aproxima de zero. O preço de crescer, ou seja, aquilo que se investe para vir a ser, vira pedágio para se continuar existindo. O otimismo cede lugar ao fatalismo. A relação com o futuro torna-se neurótica. Do amanhã vêm, apenas, as incertezas, as ameaças ao presente, criando uma sociedade que trabalha vorazmente para proteger o hoje, sem se sentir no direito – muito menos na obrigação - de alimentar algum desejo próprio para esculpir seu futuro.

 

b)    Altos riscos com altos custos de blindagem.

 

O risco passa a ser uma inerência, filha do imprevisível. Onde não há regras ou respeito ao jogo, ganhar é uma possibilidade que aumenta pela espessura da blindagem e não, necessariamente, pela qualidade do produto entregue. A blindagem neste caso é o que isenta a uns de obrigações, o que aponta a outros as sendas das conveniências sem escrúpulo. Naturalmente, a blindagem custa caro. Que encarece o produto, que perde competitividade, que abre espaço para concorrentes, que em economias globalizadas, chegam mais rápido vindo de outros continentes que de outros municípios.

 

c)  Prêmios de sucesso contraditórios. Ambientes estruturalmente adversos distribuem prêmios contraditórios, que não se coadunam
     com o mérito dos trabalhos desenvolvidos.

 

Simplesmente porque estes ambientes não premiam o mérito das realizações que recebem, mas os favores que são concedidos em nome delas. Sendo assim, o sucesso deixa de reconhecer quem melhor fez e passa a representar quem melhor jogou, blindou-se e comprou conveniências.

A maneira de evoluir nestes contextos, sem curvar-se ao jogo das conveniências talvez seja a questão que mais tem preocupado a empresários e empreendedores que administram empresas como a que imaginamos acima. Talvez, uma alternativa de solução passe pela forma como eles encaram o futuro de suas empresas.

 

3. Mapas mentais. Como encaramos o futuro?

 

Vamos denominar de mapa mental ao conjunto de pressupostos, premissas e respostas previamente aprendidas que condicionam a forma como uma pessoa analisa uma situação e busca soluções para um problema. Estes mapas mentais atuam de maneira importante no futuro das nossas organizações. Eles influenciam os valores, as crenças, a estratégia e a estrutura de uma empresa, na medida em que representam o esquema mental de seus controladores e gestores.

 

Especificamente, com relação ao modo como os administradores pensam o futuro de suas organizações e elaboram suas estratégias, podemos distinguir dois esquemas mentais que simplificadamente chamaremos de mapa mental 1 e mapa mental 2.

 

Mapa mental 1 – “O futuro a Deus pertence”

 

Talvez a afirmativa que melhor rotule o mapa mental 1 seja o dito popular “o futuro a Deus pertence”. Esta afirmativa contém uma aceitação tácita daquilo que o futuro nos trará, restando, como alternativa, preparar-nos, da melhor forma possível, para tal sorte. O mérito se coloca na maior ou menor capacidade de prevermos o que o futuro nos reserva. Para tanto lançamos mão do passado e o projetamos para frente, buscando encontrar nestas projeções de tendências passadas nossas previsões de futuro. Nestes casos, literalmente, pilotamos pelo retrovisor e nos resignamos a aceitar a conta que o futuro nos manda pela nossa capacidade de prevê-lo... E acertá-lo.

 

Mapa mental 2 – “O futuro nos pertence”

 

Conta a história recente que perguntaram a Einstein, certa vez, sobre a evolução do Universo: seria probabilista ou determinista? O cientista, com sábio humor, respondeu: “O bom Deus não joga dados”.

 

Embora reconheça uma vontade Suprema, a resposta do cientista, longe de colocar um ponto final na discussão, deixa a possibilidade de um futuro que nos pertença e não elimina, portanto, a consideração do mapa mental 2.

 

Para emprestar à questão um pouco mais de fôlego, podemos pensar, a partir das suas palavras: “o bom Deus não joga dados”, mas aposta... na autodeterminação das criaturas. Aposta na força das suas vontades para construírem ambientes prósperos, vindo a merecer, assim, o dom recebido. Sob este aspecto, o exercício da previsão pede o complemento do “querer”.

 

Não se trata apenas de prever aonde chegaremos com nossos atos presentes, mas da capacidade de desejar e transformar, de dizer não e romper com tudo aquilo que não nos serve.

 

No conjunto de todas as interações e articulações que o mundo moderno oferece aos nossos dias, seria mesmo impossível prever como esta ou aquela variável irá se comportar daqui para frente, mesmo que conheçamos seu comportamento passado. Adicione-se ainda o fato que, em contextos adversos, muitos compromissos não são honrados, rompendo de vez com a tão desejada previsibilidade.

 

Sendo cada vez mais difícil prever o futuro, porque não determiná-lo? É isto, determiná-lo, exercer este direito sagrado de dirigir nosso caminho e o destino de nossas empresas, “inventando” o futuro com a matéria prima de nossos desejos, nossas vocações, nossos valores e convicções.

 

Segundo este esquema mental, o futuro é a causa! O presente será, apenas, a sua conseqüência. Em outras palavras, se estamos aqui, hoje, é por causa de um futuro que determinamos e queremos alcançar. O mérito está na capacidade de determinar, de “conceber” um futuro diferente – e melhor – que o presente. A grande capacidade é saber “tratar” adequadamente ameaças e fraquezas, tirar partido de oportunidades e virtudes e com isso construir intenções de valor que se transformem em realidade pela força de metas bem estabelecidas.

 

Não espere mais nada do exercício estéril de reagir às previsões funestas. O importante é saber interpretar tendências e capitalizá-las. Em outras palavras, haverá sempre muito a fazer no presente, desde que exista um futuro a orientá-lo. O futuro vem antes, na forma de um projeto. Sob ele, o presente se curvará.

 

4. Procura-se um insano poeta viajante

 

Se houver alguma possibilidade de nos livrarmos de contextos tão adversos, com baixa prosperidade e alto risco, com altos custos de blindagem e prêmios de sucesso contraditórios, ela não estará na aceitação destas situações, mas na determinação de sair fora delas, superando suas adversidades. Não estará na visão curta e resignada do orçamento anual, mas na visão ampla do planejamento de um horizonte de longo prazo, que reflita um desejo expresso, que não tema o querer e que se disponha a chegar.

 

A velha e gasta afirmação “planejar para mais de um ano é loucura”, deve ser revisada.  Loucura já é gastar por conta de uma previsão de mais de 6 meses. Mas quem disse que planejar é prever? Planejar é, antes de tudo, querer, dilatar horizontes, oferecer rumos, alinhar esforços e mantê-los na direção almejada.

 

Não é comprar por conta, estocar por previsão, admitir pessoal por antecipação. E depois, chorar de frustração.  É desenvolver fornecedores e construir com eles alianças mais robustas; é conhecer os clientes “pela porta da frente” de seus negócios e não apenas entregar a mercadoria na porta dos fundos; é entender melhor seus problemas e os desejos de seus respectivos mercados; é inserir-se em suas cadeias de valor e fazer a diferença para eles.

 

Planejar é saber criar capacidades, mobilizar vontades, erguer barreiras de proteção (não de conveniências) e, sobretudo, antecipar-se para não ser surpreendido. Que importa se as previsões de nossos Clientes não oferecem certeza além de 3 meses? O que importa é podermos ser os mais próximos e íntimos de suas incertezas! Podemos rasgar os orçamentos anuais, se eles forem apenas os exercícios estéreis de previsões de receitas e despesas.

 

Procura-se um insano poeta viajante que nos ajude a mudar de mapa mental, que nos ajude a pensar estrategicamente, com os pés na realidade e os olhos pregados num futuro previamente estabelecido, ardorosamente desejado e perseguido com o melhor que temos de nós mesmos. Planejar não é prever um futuro, mas construí-lo e depois de construído pagar o preço de curvar o presente para alcançá-lo. Procura-se alguém que nos ajude a construir visões que nos arremessem para fora de contextos tão adversos. Não basta arranhar seus muros na tentativa inútil de escalá-los. Eles crescem ainda mais com nossas quedas.

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