A EMPRESA HORIZONTAL: O QUE A REPRESENTATIVIDADE NOS ENSINA.
O mundo vertical das Organizações.
Vertical e horizontal são conceitos triviais. Mas você pode imaginar a diferença entre uma organização vertical e uma horizontal?
Somos educados a viver num mundo polarizado em torno de relações verticais.
Desde a autoridade exercida pelos pais, seguida pela escola e reproduzida na empresa com seus níveis hierárquicos, a polarização vertical esteve sempre presente como fio condutor de toda a atividade humana para validar nossos comportamentos de mando ou de obediência.
Receber ordens de alguém nos oferece certo espaço de conforto porque nos poupa o trabalho de decidir. Aliás, este tem sido o papel mais admirado da hierarquia: os outros tomam decisões por nós.
Da mesma forma, o modelo vertical também acolhe muito bem o papel de quem precisa dar ordens: não é preciso convencer ou vender a ideia porque o pessoal está aí para cumprir o que você mandou fazer. Como diz o ditado, “manda quem pode...”.
Assim, tanto os que mandam como os que devem obedecer ficam bem protegidos por este gabarito que lhes cai como uma luva para legitimar suas competências de funcionar na vertical.
É por esta razão que, ao longo da história do trabalho, os que executam aprendem a colocar sua atenção somente em quem os chefia (na vertical) e não no elo seguinte da cadeia horizontal, onde estão aqueles que vão se utilizar do trabalho que executam.
O foco na hierarquia verticalizou o significado do trabalho com importantes consequências negativas para o desempenho, tal como a perda de motivação, de produtividade e de iniciativa, entre outros aspectos.
A representatividade trouxe a prática das relações horizontais.
Na prática, os arranjos verticais das organizações de negócios não foram suficientes para atender à crescente complexidade do mundo que passou a exigir a construção de relações entre elas.Assim, para construírem zonas de influências em prol de seus interesses, estas organizações tiveram que conceber arranjos horizontais para unirem forças entre semelhantes e congêneres, buscarem convergência e realizarem propósitos coletivos. Para isso criaram representações, na forma de associações, fóruns e sindicatos, para atuarem em nome de suas causas. Também aqueles que trabalhavam para as organizações constituíram associações para representar seus interesses comuns diante das organizações que os empregavam.
Desta forma, em meio ao projeto vertical do mundo das organizações surge e amadurece um novo arranjo – o da representatividade – instituindo dois novos papéis entre os atores – o de representante e o de representado – que evolui gradualmente na medida em que se tornam cada vez mais complexas as interfaces horizontais das sociedades de negócios.
Uma nova forma de ver o mundo.
A representatividade é apenas uma amostra de como as relações horizontais transcendem a cultura vertical que abriga as organizações. Ela nos oferece uma pequena janela pela qual podemos espiar uma nova e ampliada forma de ver o mundo e concluir que a existência humana é uma experiência que prospera essencialmente por relações horizontais, em que pese a milenar cultura das estruturas verticais.
Esta constatação tornou-se evidente com a teoria de sistemas, cujas elegantes leis demonstram que as relações entre as partes de um todo são mais importantes que cada parte em si mesma e que o todo só pode ser compreendido levando em conta estas relações.
As relações horizontais no Setor da Construção.
Esta nova visão de mundo adquire um significado especial no Setor da Construção Civil.
Temos consumido dispendiosa energia para gerir as partes cada vez mais numerosas que se desdobram com a terceirização em nossos canteiros, produzindo uma quantidade enorme de interfaces que colocam permanentemente em jogo prioridades, prazos e recursos dos vários atores interessados. São situações cotidianas que somente a gestão eficaz das relações entre elas pode resolver. Contudo, ainda esperamos que a atuação hierárquica de cada parte sobre suas respectivas equipes possa resolver o problema.
As questões relacionadas à produtividade, conformidade e gestão de prazos, que produzem os elevados custos de que tanto nos queixamos, definitivamente, não têm solução interna independente, na estrutura hierárquica de cada um.
Agora a solução encontra-se na gestão das relações entre as partes. Isto é mais difícil.
Fazemos o que é mais fácil, mas não o que é necessário.
Se a chave foi perdida na rua escura ao lado, não adianta procura-la aqui, porque é mais iluminado.
Não basta preparar as pessoas para serem produtivas dentro de suas próprias empresas se a improdutividade surge das interações defeituosas das pessoas das diferentes empresas que formam a cadeia produtiva.
Temos nos esforçado a fundo para que nossas equipes compreendam e executem muito bem nossas ordens, mas a sustentação das relações entre as partes dependerá, cada vez mais, de quanto compreendem o significado das relações que exercem com outros, no canteiro.
A forma de atuar para atender à dinâmica dos canteiros exige preparar nossas equipes para interagirem horizontalmente com equipes de outras empresas, fora do alcance da nossa hierarquia.
Nosso pedreiro precisa executar seu emboço preocupado com o revestimento que vem depois dele - e que é executado por um ladrilheiro de outra empresa - e não com o nosso encarregado que lhe atribuiu a tarefa. Infelizmente, não é o vemos acontecer.
As diferentes partes que compõem a cadeia produtiva precisarão dar conta de suas relações de trabalho, porque a supervisão hierárquica será cada vez mais dispendiosa.
O fio condutor vertical da chefia, que até hoje ofereceu razoável espaço de conforto às equipes, porque não lhes exigia decidir, tenderá a ser cada vez mais tênue, até desaparecer, deixando em seu lugar um vazio a ser preenchido pelo propósito, pela responsabilidade e pela competência das partes em lidarem com suas relações horizontais.
Entre as partes, em qualquer momento considerado, haverá sempre aquele que deve servir e aquele que precisará ser servido e elas precisarão suprir entre si estas demandas, com o mínimo recurso da hierarquia.
A gestão das relações horizontais será cada vez mais a competência do futuro, porque ela trata dos arranjos que harmonizam o universo empresarial como um sistema. O papel da hierarquia será, principalmente, capacitar as partes para sustentarem com autonomia suas relações horizontais longe do olhar do encarregado.
A experiência com o exercício da representatividade setorial torna-se uma interessante oportunidade para que os representantes levem para dentro de suas empresas a cultura das relações horizontais que praticam entre suas associações e as empresas representadas.
É uma alternativa estruturante, se pensada em perspectiva.
Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira.
Janeiro, 2020.
Texto postado originalmente no site da CBIC – CRS em ferreiro de 2019 e revisado.
https://cbic.org.br/responsabilidadesocial/?s=A+empresa+horizontal