A FORMAÇÃO
DE GESTORES
Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira
Animais de pele dura não possuem em seu DNA o código genético para constituírem um esqueleto, por isso só crescem até determinado tamanho. Não adianta engordar uma jibóia porque ela jamais vai virar um elefante. Não é uma questão de tamanho, mas de DNA.
Usando esta verdade como metáfora, Peter Drucker nos mostrou, há várias décadas, o que acontece com a administração empresarial. Ela não consegue evoluir de “familiar” para “profissional”. “A administração profissional (...) não é sucessora da familiar, mas sim sua substituta”, com outro modelo mental, outro DNA, mesmo que por meio das mesmas pessoas.
A metáfora de Drucker sobre os limites evolutivos das empresas nos autoriza a outra conclusão, mais abrangente e urgente no campo da gestão e liderança: um executor jamais se tornará um gestor, fazendo mais e melhor a mesma coisa. O futuro previsível de um bom executor é tornar-se um executor mais antigo, ponto!
No entanto, para se desenvolver as empresas precisam de gestores em seus quadros, de preferência formados internamente.
Como suprir com gestores as demandas de uma empresa?
Gestores precisam de outra estrutura mental, nem melhor, nem pior que a dos executores, apenas diferente.
Apesar de sabermos fazer esta separação conceitual de papéis, parece que não sabemos aplicá-la na prática, o que nos faz repetir sem parar um conhecido mantra: “perdi um ótimo executor e ganhei um péssimo gestor”. Quando vamos parar de entoá-lo?
A questão não é o que se espera de cada um, mas como produzir a transição de um para outro, já que ela não se dará por evolução, mas por recomeço.
Na crença original a diferença estava na autoridade. Bastava outorgá-la a alguém e estaríamos entronizando um gestor. Mais tarde compreendeu-se que não bastava mandar, era necessário saber mandar e os gestores foram mandados às escolas de administração para aprenderem a utilizar a autoridade. Isto também não ajudou muito para produzir desempenho nas equipes, porque estávamos insistindo no problema errado. Só muito recentemente compreendeu-se, enfim, que a autoridade é, apenas, um pré-requisito da gestão, não a sua essência e que ela não produz desempenho, somente obediência.
A essa altura tivemos que corrigir e reescrever outro mantra da gestão: “Manda quem pode...”, lembram? Mas não se precipite, porque a nova oração diz: “Manda quem pode, obtém desempenho de uma equipe quem tem competência”. Mandar é fácil. Difícil é produzir o resultado sustentado.
Então, como conduzir novos gestores à este novo início? Como ajudá-los a alcançar esta nova caixa de ferramentas, já que as ferramentas que o executor usa com maestria não servirão para isso?
A solução está na aceitação de um pressuposto básico: o papel dos gestores é formar pessoas. Mas não devemos nos iludir com palavras, pois o papel dos pais também é formar os filhos e nos debatemos em um oceano de controvérsias sobre como formá-los. Há um importante elo entre estas duas realidades (formar pessoas e formar filhos): a responsabilidade. Pais e gestores têm responsabilidades equivalentes, uns perante a sociedade e outros perante os acionistas, clientes e sociedade, quando se trata de formar pessoas.
Este é o novo modelo mental: a principal responsabilidade dos gestores deve ser para com a formação e o desenvolvimento das pessoas que executam o trabalho e não para com o trabalho executado pelas pessoas. Isto não é um jogo de palavras, mas uma perspectiva lógica que não pode ser invertida. E a razão é simples: somente com foco nas pessoas teremos um trabalho bem executado, com conformidade e produtividade sustentadas, que produz entregas.
Não existe desempenho fora das pessoas. Não se iluda. Não se compra desempenho; ele não está a venda. Coisas, sistemas ou equipamentos não têm desempenho! O desempenho está nas pessoas que projetam, constroem, operam, atendem... Não se podem comprar as melhores pessoas do mercado. O mercado fornece os bons; o gestor é quem trará à tona o melhor que as pessoas podem oferecer e durará enquanto durar a sua liderança em relação a elas. Senão elas vão embora e serão as melhores em outra empresa. É sobre cultivar e não comprar feito a questão do desempenho.
Leva algum tempo até se descobrir que precisamos deixar a execução de lado e nos dedicarmos a formar e desenvolver executores. Alguns nunca descobrem! Às vezes só vão descobrir muito depois de assumirem sua primeira equipe.
Se colocarmos o foco apenas nas tarefas, como sempre fizemos, podemos passar a vida reclamando das pessoas que executam mal, trocando-as várias vezes e concluir melancolicamente, ano após ano, como se tratasse da última novidade: “hoje em dia, está muito difícil trabalhar com pessoas”.
Murray Gell-Mann, prêmio Nobel de Física, descobridor das partículas quarks na estrutura dos átomos, respondeu com humilde sabedoria à alguém que enaltecia o seu trabalho: “A física seria bem mais complicada se as partículas pensassem”[i]
Já, as pessoas, pensam e sentem.
Não é possível dominá-las como se domina as leis da física. Podemos, no limite, atraí-las para nossos objetivos, e aí nos deparamos com uma interessante, senão perigosa armadilha: que conteúdos nós utilizamos para isso? Os que mexem com os interesses das pessoas ou aqueles que atendem às suas necessidades de ego?
Se o gestor, em casa, ensina seu esperto cãozinho de estimação a deitar-se com as patinhas para cima em troca do biscoito preferido, quem está motivado? Não é o Rex! Ele só quer o biscoito; e sempre que o gestor quiser que o Rex repita a façanha, vai lhe custar mais um biscoito. Até o dia em que o cãozinho, de barriga cheia, vá para baixo do sofá e não apareça para o espetáculo.
Já quando o gestor oferece à sua equipe espaço de participação para construírem juntos propósitos que são assimilados por todos, gesto de reconhecimento e desafios compartilhados que resultam em sucesso e não em frustração, ele está satisfazendo às necessidades legítimas e universais das pessoas no exercício do trabalho; as tarefas se tornam significativas e gratificantes para as pessoas, a despeito da energia que precisam dispender para alcançar as metas.
O que mais tem surpreendido no campo do desempenho organizacional é a dificuldade que os gestores demonstram em assimilar esses novos conceitos comportamentais e de criar as verdadeiras possibilidades no ambiente do trabalho para as pessoas realizarem suas necessidades de participação, reconhecimento e autorealização.
Para que isto aconteça precisamos ajudar estes gestores a desconstruírem alguns pressupostos que ainda impedem a verdadeira liderança. Por exemplo:
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“Você esta aqui para ganhar dinheiro, não para ser feliz” não funciona no médio e longo prazo. A menos que você troque continuamente as pessoas e tenha sempre gente nova na fila buscando a sua vez de ganhar dinheiro no lugar daquelas que já estão em sofrimento, o seu esquema não será sustentável.
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“Você precisa ser auto motivado”. Só em parte! O que nos motiva é a busca pela satisfação de nossas necessidades sociais e de ego, como aceitação, reconhecimento e prestígio. O problema é que elas não podem ser atendidas por nós mesmos. Precisamos do “outro” para isso. Compre um espelho enorme e mire-se nele todos os dias, elogiando sua própria beleza, para ver se funciona? Todas as pessoas (sem exceção) precisam da confirmação do outro para serem socialmente saudáveis. E é isso o que fazemos sem parar, todos os dias, nas várias situações da vida: esperamos pelo acolhimento, aceitação, aprovação e reconhecimento dos outros. E porque não, no trabalho? Os subordinados precisam que seus gestores lhes proporcionem isso. É tolice acreditar que alguém em sua equipe não tenha estas necessidades. Todos nós precisamos do outro para nos validar e motivar.
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“As pessoas precisam de pressão para funcionar.” Pressão de quem? Você funciona melhor com a pressão dos outros? Eu não gostaria de ter em minha equipe pessoas a quem precisasse pressionar para funcionarem: me dariam muito mais trabalho. A única pressão que agrega valor ao desempenho das pessoas é aquela que vem de dentro delas mesmas, em resposta à desafios que criam ou tomam para si e que passam a lhes mobilizar.
Como a liderança aparece
É preciso entender que a mudança de DNA de executor para gestor não é uma ação pontual (trinta e duas horas de treinamento, por exemplo), mas um processo gradual de criação de um novo modelo mental.
A liderança do gestor se revela por meio de comportamentos construtivos e palavras transformadoras que vão se incorporando de forma autêntica ao universo de sua atuação. Dentre estas manifestações positivas, podemos destacar:
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Criar possibilidades para os integrantes da equipe, (você vai conseguir, conte comigo!), ao invés de somente expectativas e incitação (se você conseguir...).
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Acolher (como eu posso lhe ajudar a lidar melhor com esta questão?)
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Exercer a autocrítica (se eles erraram, onde eu falhei com eles?)
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Exercer a tolerância responsável que estimula a melhoria contínua, (como você acha que deve ser feito?) ao invés de galvanizar a equipe com padrões rígidos (faça como eu estou dizendo!);
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Erguer os olhos da equipe para o novo (se funciona, pode melhorar), para o inspirador (que diferenciais podemos incorporar?).
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Promover a cultura da ajuda mútua para cultivar “doadores” e varrer “tomadores” do espaço organizacional. (Ver Adam Grant: “Give and Take” [ii])
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Renunciar ao palco em favor da equipe (vocês é que fazem o gol).
“... Eu não tenho ideia de como eles fizerem isso. Têm coisas mais importantes no mundo, mas criar uma atmosfera emocional juntos é algo especial. É tudo sobre os jogadores” Klopp, técnico do Liverpool, após a vitória de 4 X 0 sobre o Barcelona, quando seu time precisava nada menos do que este resultado para se classificar na Champions League. Demonstrar um sentimento sincero de autorealização pelo sucesso da equipe (eles conseguiram!).
É claro que este processo precisa de um mentor e o melhor protagonista deste papel será o gestor desse gestor em formação.
Este processo fará com que o gestor em formação, ao longo do tempo, venha a receber a liderança da sua equipe; só a equipe pode conceder liderança ao seu gestor.
Na falta destes requisitos, ao invés de líderes, você estará empregando fiscais, para tomarem conta das pessoas; juízes, para avaliarem desempenhos que nem sequer foram acompanhados em suas dificuldades ou executores de luxo, que sabem fazer melhor que os outros e por isso ganharam o crachá de chefes, comprometendo a evolução sustentada do negócio sem nada de melhor acrescentar às suas equipes.
Rio de Janeiro