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APAGÃO DE MÃO DE OBRA, OU APAGÃO DE GESTÃO DE PESSOAS?

Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira

"O mestre de obras é como o maestro: conduz a obra sem se utilizar de instrumentos.  Se o maestro faz uso da batuta, a ferramenta do mestre é a palavra, e a sua ação é de liderança, e exatamente por isso que a indústria da construção precisa investir na formação desse profissional.  É importante dar-lhe uma visão mais completa do que seja um cidadão,  um técnico melhor e um líder. Lembre-se: “um mestre que não é formado também não formará ninguém”.

 

Entrevista publicada no guia anual 2012 - SECONCI


     A pergunta do título caiu quase como uma bomba no ambiente do setor da construção civil. Quase. Embora tenha causado alguma surpresa não chegou exatamente a assustar. A maioria do empresariado talvez não tivesse pensado nisso com muita clareza, anteriormente, mas quando a pergunta foi feita não causou muito estranhamento.

     

     Era como se fosse uma daquelas coisas que se tem guardadas num canto da mente, sem se ter consciência de que ela está ali, esperando ser notada.

     

     Quem pronunciou a pergunta e levantou claramente a questão foi o consultor de empresas em liderança e processos organizacionais Ayrton Rochedo Ferreira, colaborador do SECONCI-Rio, por ocasião de uma palestra proferida na Comissão de Desenvolvimento e Recursos Humanos do SINDUCON-Rio.

 

     - Não está “faltando gente”, argumenta Ayrton, estão faltando pessoas preparadas por uma gestão que não aconteceu.          

 

     Na visão do consultor, o setor não olhou de frente, não preparou, não foi capaz de perceber que não tinha nenhum tipo de reserva para enfrentar um pico de crescimento, ao mesmo tempo em que reclamava que era preciso crescer. Ou seja, queria crescer, mas não se lembrou de se preparar para isso.

 

Liderança x Chefia

 

     Segundo especialistas como o Prof. Andre O. Mascarenhas *, professor de cursos de mestrados e doutorado em administração, o chamado “apagão de Mão de obra’ é um efeito colateral do crescimento acelerado da economia brasileira e, no âmbito especifico da construção civil, passa forçosamente pelos números insuficientes de formação de engenheiros, assim como a qualidade questionável da formação de nossos recursos humanos.
 
     Mas o consultor Ayrton Rochedo faz um recorte ainda mais detalhado nessa questão e analisa onde há maior carência nesses profissionais. Segundo ele, o problema não é tanto técnico, mas sim uma questão de critérios. 

 

     Ayrton acredita que a pratica da administração, na construção civil, nunca deu muita importância  à gestão de pessoas. – Sempre se voltou mais, não para o líder, mas para aquele que é o “tomador de conta”, o “chefe”, esclarece.

 

     Ele diz que o problema não se resolvera apenas com curso de formação para o pessoal dos canteiros, com a mera instrução técnica.

     

     - Isto seria de grande valia, sim, se, ao mesmo tempo, fizéssemos evoluir a liderança nas empresas de construção, argumenta. E isto em todos os níveis. O problema está muito mais na cabeça dos empresários do que nas mãos do trabalhador.

 

     Que pressuposto o empresário tem a respeito do trabalhador?

 

     Ele é um líder ou apenas um chefe?

 

     Enquanto o empresário não entender que essa pessoa tem de ser um sujeito completo, que está capacitado a criar condições para que a sua equipe se motive, e não apenas lhe seja obediente, que saiba liderar, que forme sucessores, ele não estará realizando uma gestão realmente de resultados.

     A própria terceirização de serviços, que acelerou consideravelmente nos últimos anos, deixa a nu essa carência. – Hoje a construção civil tem uma quantidade muito grande de subempreiteiros. Então o mestre de obra já não tem uma equipe sua. Tem a equipe dos outros. Como ele vai exercer liderança e preparar alguém, se toda equipe que trabalha com ele é terceirizada?

     Ayrton insiste que é preciso investir em pessoas e que investir em pessoas não é apenas formar Mão de obra. – É também formar cabeças, formar lideranças, porque sem o líder você não tem desempenho, não tem equipe. Segundo o consultor, as empresas nem sempre praticam uma política que atribua a seus gestores responsabilidades de formar substitutos, por exemplos. E que nessa falha, a evolução do próprio gestor fica prejudicada.

     Ayrton se pergunta: se o gestor não formou ninguém, como é que ele próprio pode querer ser promovido e sair de onde está? – Ele é responsável, e a conseqüência é que a avaliação desse gestor, de seu desempenho, a sua promoção e o seu crescimento na carreira também são prejudicados, porque ele não cumpriu a responsabilidade indelegável que é a de formar substituto.
 
     Influenciar a gestão empresarial
 
     A essa altura dos acontecimentos, as empresas da construção já concordam com a idéia de um apagão de gestão no setor (veja box). 

Há exceções, como é o caso da Sig Empreendimentos Imobiliários Ltda. – O apagão existe independente da gestão, opina a Gerente de RH da empresa, Lucimeri Fragoso, falta investimento em novas tecnologias para substituir a Mão de obra operária. 

 

     Com o crescimento da economia as famílias passaram a investir mais na educação de seus filhos, surgiram novas possibilidades e desinteresse para o trabalho operário, braçal. Mas Lucimeri reconhece que as tentativas de solução que vêm a reboque da crise, como cursos de qualificação e desenvolvimento, por exemplo, são importantes, mas não temos como resolver o problema em curto prazo, ainda mais diante de novos desafios até 2016.
 
     Nesse particular, Ayrton Rochedo concorda com Lucimere: - O empresário da construção não pode ter esse raciocínio de curto prazo de só reagir por espasmos, ou seja, só reagir à crise, não se preparar para a sua possibilidade.

 

     Ele acrescenta que é justamente na direção contraria que o SECONCI está indo agora. Segundo explica, de alguns anos para cá, sem deixar de lado o seu foco no atendimento, na saúde assistencial e ocupacional, o SECONCI, tem agora foco também em um segmento chamado “educação e cidadania”.

 

     E nesse segmento ele tanto estabelece um programa de qualificação de subempreiteiros, por exemplo, como realiza trabalhos com os RH da empresas, cursos de liderança para os engenheiros e gerentes de contrato de obras. – Se o SECONCI conseguir atingir, com serviços de medicina, saúde e qualificação técnica, 100% dos trabalhadores, isto não terá o mesmo efeito que se atingisse 10% ou 20% dos empresários, argumenta Ayrton.


O Posicionamento Das Empresas

 

     As empresas da construção civil reconhecem que o setor falhou em não se preparar para o crescimento que ele próprio buscava, por terem se concentrado quase que exclusivamente nos aspectos técnicos de sua atividade, em detrimento da gestão de pessoas. Mas a opinião mais ou menos generalizada é a de que há também outras causas para o problema de falta de mão de obra, tão importantes quanto a falha na gestão.
 
     - Entendemos que uma outra causa é a desinformação dos trabalhadores quanto às vantagens que a construção civil oferece em relação a outros segmentos econômicos, opina a Gerente de RH da Formas Aliança, Sheila Catharino. Mas Sheila atribui também responsabilidades ao Governo, que sobrecarrega a folha de pagamento das empresas do setor, com excesso de tributos. Para a Formas e Aliança, uma desoneração das folhas  na construção civil permitiria que as empresas investissem mais e melhor em gestão e desenvolvimento de pessoas. Também o aumento de escolaridade dos segmentos da população que trabalham com mão de obra braçal pode ter influenciado nessa carência de trabalhadores para para a construção, como acredita o Diretor de Engenharia da RJZ Cyrela, Ernesto Filippone, que acrescenta a demanda simultânea da parte de vários setores da economia brasileira, como elemento que gera desvantagem na busca por mão de obra por parte do setor no âmbito da gestão de pessoas. Um exame preliminar indica que um número significativo dessas organizações está investindo ou planejando investir em estratégias que acreditam poder atrair o trabalhador e minimizar os efeitos da carência de mão de obra no setor.

 

Veja alguns exemplos do que algumas empresas contatadas pela reportagem estão fazendo:
 
Formas Aliança – instituiu plano de cargos e salários para o trabalhador e prêmios pelo atingimento de metas de produtividade e qualidade;

 

Sig – paga salários acima do piso das categorias e também está implantando um plano de cargos e salários;

 

Calçada – Já implantou um plano de cargos e salários, e prepara para este ano um programa de avaliação de desempenho para todos os níveis da empresa, pelo Programa de Remuneração Variável.

 

Cofix – Pratica uma política de atribuir a seus gestores a responsabilidade de formar substitutos, facilitada por um serviço de consultoria;

 

RJZ Cyrela – Realiza treinamentos constantes de formação de lideranças dentro e fora dos canteiros.

 

     Todas as empresas acima citadas têm outras práticas que visam o bem-estar e o estímulo do pessoal dos canteiros, como fornecimento de alimentação a seus empregados, seja diretamente, no canteiro, seja por tíquete, ou ambos os métodos.

     O Próximo passo, agora, é talvez ampliar e aprofundar o alcance de uma política de gestão de pessoas que não apenas estimule o trabalhador dos canteiros de obra, mas que também os motive a um nível mais aperfeiçoado, no qual se vejam como partícipes do processo de produção e sintam-se realmente envolvidos com a empresa, seus objetivos e resultados.

 
Pontos a Ponderar 

 

 

     Algumas das principais dicas do consultor Ayrton Rochedo, que podem indicar um real apagão na gestão de pessoas:
 
"A gestão cientifica de pessoas sabe diferenciar motivação de recompensa.  A recompensa é válida, mas é interesseira por natureza.  A motivação verdadeira significa envolvimento".
 
"Cursos de formação técnica são úteis, mas sozinhos são apenas paliativos.  O problema não está só na habilidade de fazer.  Está muito mais “no comprometimento, na fidelização".
 
"O mestre de obras é como o maestro: conduz a obra sem se utilizar de instrumentos.  Se o maestro faz uso da batuta, a ferramenta do mestre é a palavra, e a sua ação é de liderança, e exatamente por isso que a indústria da construção precisa investir na formação desse profissional.  É importante dar-lhe uma visão mais completa do que seja um cidadão, um técnico melhor e um líder.  Lembre-se: “um mestre que não é formado também não formará ninguém".
 
"Sem o líder não há equipe.  Então o trabalhador vai para a empresa e fica sob a autoridade de um chefe, e não sob uma liderança.  Mesmo capacitado, boa parte do que aprendeu não consegue colocar em prática.  Porque lhe falta um contexto de gestão que estimule isso".
 
"A mão de obra não sumiu.  Ela está aí!  Só que as pessoas estão interessadas em outros setores.  Ou continuam marginalizadas e não foram formadas, porque a empresa se esqueceu disto".
 
"Por que há mão de obra em outros setores e não no da construção civil?  Porque, simplesmente, a construção civil não é mais uma escolha do empregado.  E por que não?  Pelo simples fato dele não encontrar aí as melhores condições, que são as condições de atendimento, de assistência e de preparação".
 
"É muito mais sensível você mexer na cabeça dos empresários do que simplesmente qualificar trabalhadores que depois vão entrar em  equipes onde não há liderança. Porque uma coisa é frequentar uma escola e aprender a fazer.   E outra é transformar isso em desempenho e resultado, dentro de uma empresa".

 

Rio de Janeiro

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