ARTIGOS
DIFERENCIAIS COMPETITIVOS
PROCURA-SE UM REI E TRÊS PRINCESAS QUE FUNCIONEM!
Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira
Diferenciais competitivos! Quem não sonha com eles? Porem, desde que se colocou, com precisão, a questão da competitividade como um efeito de preços mais altos e custos mais baixos comparados à concorrência[1] sabemos que as características subjetivas que não se traduzirem nesta realidade, terão apenas efeito plástico (ou alegórico), mas não criarão nenhum diferencial. Trata-se de obter mais preço, custar menos e, se possível, ter as duas vantagens reunidas.
O preço, com a majestade que lhe é conferida, assemelha-se ao rei, que após fracassos e decepções, aprende que reinar é servir ao seu povo e não se servir dele. Já, custar menos, sugere a sorte de três princesas, que muitos empresários insistem em encerrar em seus castelos de sonhos, sem bem compreender quanto custa mantê-las.
Preço
Vamos começar pelo rei. Praticar preços mais altos que a concorrência não é uma questão de vontade, mas de possibilidade. Fora novidades de impacto temporário, que resistirão até que os concorrentes descubram o nosso nicho, a única forma de praticar preços mais altos (se a regulamentação do setor permitir) é trabalhar para que nossos produtos ou serviços possam baixar os custos dos clientes ou aumentar as suas receitas. E isto só se obtém focando nosso negócio no entendimento das necessidades de quem nos compra. Eu falei entendimento? Não seria por acaso, atendimento, a palavra preferida daqueles que gostam de alardear seu amor pelos clientes? Claro que não. Querer atender, sem antes entender, pode se tornar, em curto prazo, um dispendioso exercício de adivinhação, seguido de frustração e perplexidade cambaleantes; e ainda por cima deixar uma lição errada para os mais apressados: “os clientes não sabem reconhecer nossas nobres intenções”. Requisitos para entender os clientes? Pode anotar: investir no conhecimento das suas necessidades e expectativas, com um critério de segmentação adequado, coisas que o pessoal de marketing fará muito bem, se forem, é claro, gerenciados para isso e não orientados somente para a comunicação (publicidade e propaganda) de efeito histriônico e pouco específico.
O primeiro resumo, portanto, está pronto: para que o rei possa reinar é preciso investir primeiro no entendimento correto das necessidades e expectativas dos clientes, para depois atendê-los com produtos e serviços que os satisfaçam; só assim se conquista um diferencial que produza no comprador, como mérito do acordo, a conclusão: vale a pena pagar o preço. Para tanto é preciso atitudes sustentadas por uma verdadeira cultura de serviços. Não há mágicas para aumentar preços, embora possa haver muito delito.
A seguir, vem o custo. Operar com custos mais baixos que a concorrência, também não é uma questão de vontade. Custos mais baixos resultam de produtividade, conformidade e estabilidade de processos. Estas três princesas, por mais desapontador que possa parecer, custam um bom dinheiro para serem mantidas.
Vamos a elas:
Produtividade
Primeira das três princesas a ser encerrada no castelo de sonhos da gestão empresarial, a produtividade tem sido, para muitos executivos, como a fantasia de carnaval para os amadores: só pensam nela pronta, para desfilar. Antes de desfilá-la, no entanto, é preciso construí-la e só quem é do meio sabe quanto custa desenhá-la, costurá-la e sustentá-la. É ingênuo, por exemplo, querer encontrar a produtividade como merecido prêmio, ao final de uma dura campanha de redução de custos e cortes de "gordura". Geralmente o que se encontra no final deste caminho, é o medo e a desmotivação. Dimensionar adequadamente uma estrutura com cortes de pessoal, não é o mesmo que fazer produtividade; pode ser um ato de higiene, moral e eticamente mandatório perante o acionista, mas, ainda assim, um ato de higiene, sobre o qual não deveriam fazer gabolices os gestores profissionais. É como se o cirurgião-dentista propagandeasse a remoção do tártaro como o seu grande feito, no tratamento de um paciente. É higiênico, mas não chega a ser estratégico. Pensando bem, na maioria dos casos, se não deixassem criar a gordura, não teriam que cortá-la. Em outros casos, de curta perspectiva, a redução de custos tem servido para que novas gestões estabeleçam o necessário contraste com a "incompetência" de quem lhes antecedeu. O gancho político também não faz produtividade. Só depois de se cortar os excessos, a história da produtividade começa. É preciso investir na implementação das melhores relações produto / insumo, ao longo da cadeia horizontal de atendimento, até alcançar o produto final. Constitui-se boa prática modelar a cadeia de lá para cá, das demandas dos clientes (já falamos nisso?) para os processos que deverão atendê-los, de maneira que a vantagem de se fazer mais com menos bonifique os clientes finais, pelo menos com tempos de ciclo mais curtos que os concorrentes.
Conformidade
A segunda princesa nasceu bela, perfeita. A miopia e o estrabismo dos que se servem dela, no entanto, não tem permitido que se desfrute todos os seus dotes. Primeiro, porque se olha em demasia para dentro dos processos e se esquece das relações que eles fazem entre si. Não raro encontramos um leão, como guardião de cada processo, brandindo formulários de rotina, a defender, rugindo, a conformidade de seus passos; mas no final da cadeia de atendimento, o que se entrega, na forma de produto ou serviço, mais se assemelha a um tigre de papel. Já o estrabismo vem de um olhar divergente que enxerga, de um lado, o operário como o grande vilão da não-conformidade e, de outro, o gestor, como o seu exorcista. "Faça certo da primeira vez!”, é a frase que sustenta a catequese da qualidade; mas ela encerra, ao mesmo tempo, o libelo velado contra o chão de fábrica, como se lá estivesse a origem de todas as não-conformidades que contaminam os produtos e serviços que entregamos. Temos nos esquecido, porem, das não-conformidades no nível de gestão. O que dizer dos erros ocultos, (ou pelo menos pouco computados) dos gestores que precisam voltar atrás em decisões tomadas, porque refletiram pouco ou nada sobre suas conseqüências? De decisões não tomadas e procrastinadas indefinidamente, que nutrem o descrédito contra a administração? De intervenções precipitadas sobre conflitos interpessoais, que só servem para agravá-los? Do prestígio, seriamente abalado por conta de metas que tentam impor às suas equipes, sem nem ao menos acreditar nelas? E o que dizer da tão mal cumprida tarefa de “gestão do desempenho”, que, por falta de tempo (!), acaba se limitando à uma mal enjambrada "avaliação" de desempenhos que nem sequer foram administrados? Não serão, também, falhas técnicas e atitudinais de profissionais que têm a obrigação de saber do seu ofício, tanto quanto os operários de suas tarefas? Será que essas não-conformidades não prejudicam o cliente final? Porque é tão difícil evidenciar e computar os erros dos gestores? Talvez por que o erro se choque frontalmente com o endeusamento que se permite à hierarquia superior. Errar é humano, não sendo, portanto, compatível com chefes. (!)
Estabilidade de processos
A terceira princesa encontrada no castelo de sonhos é prima mais velha da conformidade ou talvez a sua versão mais madura. Ela pede permanência, não é eterna, mas diária, habitual, precisa ser protegida das mudanças bruscas de ambiente. Clientes odeiam surpresas! Se já vivemos num mundo instável, em meio à descontinuidade ambiental, é erro básico tentar compartilhar este caos com nossos clientes; eles não têm nada a ver com nossos infernos particulares. Não funciona tentar acalmá-los com o argumento de boas médias históricas de atendimento, quando a sua indignação vem de episódios isolados que lhes causou danos, aborrecimentos ou decepções. É como dizer a um ferido: "pense há quanto tempo você não sofre um acidente, que a dor passa”. A estabilidade de processos é uma versão evoluída da conformidade, onde o compromisso maior é entregar produtos ou serviços sem variações, nos níveis críticos contratados, a despeito de nossos motivos domésticos. Tão mais evoluída é a idéia da estabilidade de processos, que pede, em contrapartida, certa homogeneidade de valores e comportamentos, para estabilizar o todo. Empresas formadas por um caleidoscópio de estilos de gestão, dificilmente alcançam estabilidade nos seus processos, simplesmente porque eles se comunicam, causando choque de desempenho em suas relações.
O segundo resumo, portanto, acaba de ficar pronto: para se operar com custos mais baixos que os concorrentes, é necessário investir em produtividade, conformidade e estabilidade de processos. Para tanto, pede-se competência para criar equipes motivadas e comprometidas. Fora disto, não há mágicas para custar menos, embora possa haver muito jogo de cena. Não se fazem processos somente com indicadores, métrica e especificações; processos se fazem, essencialmente, com atitudes. Sem atitudes favoráveis os processos se tornam estéreis. Por melhores que sejam, processos não criam atitudes por si mesmos; mas boas atitudes até os substituem. O rei e as três princesas podem fazer uma bela diferença, desde que saibamos como servi-los, para que funcionem a nosso favor.
Para fechar, vamos à conclusão:
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Se o aumento de preço não coroar o valor que agregamos ao atendimento dos clientes;
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Se o esforço pela produtividade se limitar a cortar os excessos e não se conjugar com uma cadeia organizada de atendimento interno, que vai alcançar o cliente final;
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Se a conformidade não começar pelo exercício da gestão e, por cultura, contaminar a todos os níveis de execução;
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Se a estabilidade de processos não decorrer da estabilidade e homogeneidade dos estilos de gestão;
Podemos preparar-nos para assistir ao final previsível: executivos, em todos os níveis, decepcionados com os resultados obtidos, errarão atônitos pelos labirintos da estrutura, à procura de um rei e três princesas que funcionem tão bem quanto na concorrência. Nesta loucura, os de cima gritarão com os debaixo:
- “Os nossos não serviram porque vocês não souberam usá-los!”.
- “Engano. Vocês só quiseram usá-los... e não servi-los”, sufocarão os debaixo, sem coragem para responder no mesmo tom.
[1] Veja, por exemplo, Porter, Michael in "A nova era da estratégia", HSM Edição Especial 2000, pag. 19