Antes de tudo, vamos explicar o que são cadeias de atendimento.
Pense nos produtos ou serviços de uma empresa. Eles são executados de uma só vez, em um só setor? Na quase totalidade das vezes, não! Eles percorrem um longo caminho, desde a criação da demanda, passando pelo planejamento da oferta, aquisição de materiais, fabricação, até chegar à sua entrega ou prestação do serviço aos clientes finais, com a afluência de muitos setores.
Pense agora nos inúmeros serviços e informações que esta mesma empresa tem que prestar para outras partes interessadas, tais como governo, órgãos reguladores, entidades financeiras, fornecedores, sindicatos etc. Eles são gerados em um só setor? Também não! Eles representam a consolidação de uma sequência de esforços realizados por vários setores.
O que podemos concluir é que as relações mantidas por uma empresa com entidades externas, que interessam à sua sobrevivência, prosperidade e evolução, só se concretizam após longos caminhos percorridos internamente.
E quem gerencia estes caminhos?
Dado que estes caminhos se constituem de uma sucessão de relacionamentos entre os vários setores da estrutura, quem transmite a estes setores o sentido de exigência para cobrar quem lhes fornece os insumos e o sentido de atendimento para dedicar a quem consome o trabalho que executam?
Considerando que estas demandas derivam de uma nova lógica, que dá vida às relações horizontais onde só faziam sentido as relações hierárquicas, como implantar este novo (porém óbvio) esquema lógico de trabalho para capacitar as pessoas a atuarem segundo uma cadeia horizontal de atendimento, comportando-se, efetivamente, como clientes e fornecedores internos?
Este texto é dirigido às pessoas que fazem andar a vida organizacional e sofrem quando a cadeia horizontal ousa contrariar os interesses da hierarquia vertical:
“A quem atendes? Às demandas ou a quem manda?”, ela parece perguntar maliciosa, sem esconder uma ponta de inveja.
Sabendo de antemão a resposta desejada, as pessoas que trabalham para ela a cortejam, reafirmando que seus desempenhos dependem de suas ordens. Com isso, atrelam a ela o desempenho dos negócios.
Na perspectiva das cadeias horizontais de atendimento podemos afirmar que ninguém é pago para trabalhar para chefe; o trabalho organizacional não existe para ser ofertado à hierarquia, mas para produzir as entregas do negócio aos clientes e demais partes interessadas. Ao contrário, os chefes é que são pagos para trabalhar para suas equipes, obtendo delas o maior desempenho possível com relação aos fluxos de trabalho. Se você achar esta afirmação absurda, eu lhe desafio a substituí-la por outra que melhor explique a expectativa dos acionistas que pagam gestores para gerenciar suas equipes.
É importante lembrar que esta “outra” forma de olhar o modelo de gestão não coloca as empresas de pernas para o ar, como gostariam aqueles que adoram anunciar novas “revoluções” no mundo empresarial; ao invés disso, ela põe o foco no eixo certo, na essência do negócio, na sua razão de ser. Este eixo chama-se cadeia horizontal de atendimento. Através dela chega-se mais rápido aos clientes finais e os caminhos por ela percorridos custam menos e valem mais.
Servir à cadeia horizontal de atendimento deve ser o trabalho essencial das equipes, por meio de uma sucessão de relacionamentos internos que vão ao encontro do cliente final e demais entidades externas que interessam ao sucesso da Organização.
Já que todos buscam rapidez, produtividade e valor agregado, porque não explorar as promissoras possibilidades que se abrem a partir desta perspectiva horizontal da organização do trabalho e especular o tremendo impacto que ela poderá causar na cultura e na competência das empresas?
É na cadeia horizontal de trabalho que se faz o custo, aufere-se a receita, desenvolve-se e fideliza-se o cliente e novos mercados são conquistados.
Todos os que estão acima dela representam despesas, que só se pagam se contribuírem para o seu melhor funcionamento, criando valor para os acionistas. E a principal contribuição que os gestores podem dar, neste sentido, é fazerem fluir o trabalho horizontal, entre departamentos, sem roubar-lhe energia.
Esta nova perspectiva traz uma mudança importante na forma como cada um se percebe na Organização. As equipes passam a atuar com maior comprometimento diante de seus novos papéis ao longo da cadeia de atendimento. O inexpressivo, desgastado, mas ainda confortável papel de subordinado, vivido há mais de um século na base da aristocracia do poder, é reescrito pela dinâmica da cadeia. Os atores que entram em cena sentem-se valorizados em seus novos papéis, pelos compromissos que assumem com seus clientes e pela moral que adquirem em relação a seus fornecedores, sejam eles internos ou externos.
Não se trata de arrumar a casa, mas de re-significá-la. Não é o caso de trocar os móveis de lugar, jogá-los no lixo ou comprar novos. Mas de dar-lhes novo sentido. Criar tensão onde reina a estagnação. Exupéry, em sua “Cidadela” nos brinda:
“Não penses tu que podes amar uma casa que não tem rosto, uma casa onde os passos não têm uma ponta de sentido”. [i]
O sentido não é a hierarquia, mas a cadeia horizontal.
“Eu reteso os arcos. Restabeleço as direções, lá onde cada um se instala ao deus-dará e ainda por cima chama felicidade a esta estagnação”.[ii]
Quanta estagnação! Quantos anos passados olhando para cima, para o chefe, esperando, com arcos frouxos, a próxima ordem, gastando a inteligência com justificativas para prevenir-se da cobrança implacável da hierarquia, vivendo o constrangimento da repreensão, servindo à gestão ao invés de ser por ela recriado.
“Meu pai dizia: É preciso criar. Se tu possuis esse poder, não te preocupes em organizar. Não tardarão a nascer cem mil servidores dispostos a servir à tua criação. (...) As únicas coisas que contam são o declive e a direção, a tendência para (algum lugar)”. [iii]
Estabelecer tendências! Este é o novo e mais importante compromisso dos gestores para com a cadeia horizontal. Mais que organizar, é polarizar suas equipes para o atendimento das demandas dos clientes e não para a estrutura. É preciso criar declives e fazê-los tender para os interesses daqueles que sustentam os negócios com suas compras. Formar, entusiasmar, remover obstáculos, criar compromissos e celebrar o valor criado para os clientes.
Os gestores que possuem este poder servem às suas equipes. Os que não o possuem, esperam ser servidos por elas, subtraindo preciosa energia da cadeia de atendimento.
Compilado do livro “Modelagem Organizacional por Processos” (2010: Mauad Editora), de Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira.
[i] SAINT-EXUPÉRY, Antoine. Cidadela, 3 Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 20 e 190.
[ii] Idem, p.21.
[iii] Idem, p.190.
コメント