Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira
Quando as coisas vão pior que o planejado, precisamos intervir no desempenho das equipes para corrigir erros que deixamos acontecer ou mitigar problemas externos, superando seus efeitos. Em casos extremos precisamos cortar pessoas, para adequar a estrutura à demanda.
Mas assim como não podemos desmerecer as pessoas que saem, também não podemos mudar a forma de tratar as pessoas que ficam. Se fizermos isso ou se alterarmos nossas expectativas em relação a elas, elas também mudarão seus comportamentos, estabelecendo um círculo vicioso que alimentará, mais ainda, nossa convicção de que é preciso endurecer o jogo. Esta é a principal razão dos problemas de desempenho e de clima que sucedem as crises.
Portanto a administração precisa deixar claro para os que permaneceram a bordo durante a tempestade que eles não ficaram lá de favor, mas sim pelo mesmo merecimento que os acolheu nos tempos de bonança: continuam importantes, seu trabalho tem significado reconhecido e não devem se sentir ameaçados. Afinal, utilizar a crise como pressão para produzir comportamentos que não se obtém sem ela é uma confissão de incompetência, além de apropriação indébita e antiética de uma situação.
A contradição.
Nas primeiras páginas do livro “A Organização Humana” de Rensis LIckert o leitor é convidado a responder a um questionário sobre estilos de gestão e desempenho. Nas páginas seguintes o leitor vai saber que 95% dos administradores que já haviam respondido o mesmo questionário percebiam claramente que os estilos participativos de gestão eram encontrados nas empresas
mais eficientes que conheciam. Eram empresas que investiam muito nas pessoas e no seu envolvimento com o trabalho. Já nas empresas menos eficientes que conheciam eles encontravam um ambiente autoritário, controle excessivo e centralização. Eram empresas que investiam pouco nas pessoas e nos modelos participativos de gestão.
Bastariam estes resultados, certamente confirmados pelas respostas de cada novo pelo leitor, para enriquecer a pesquisa.
Mas Likert vai além e acrescenta mais uma essencial pergunta ao seu trabalho: “Baseado na sua vivência, o que você acha que ocorre numa empresa quando o executivo chefe passa a se preocupar mais com a folha de pagamento e começa a tomar providências para reduzir custos, aumentar a produtividade e aumentar os lucros?”
As respostas obtidas pelo autor estarrecem pela contradição: os administradores entrevistados declaram com a mesma unanimidade que quando as empresas precisam apertar os cintos geralmente mudam suas práticas: começam a se pautar pelo autoritarismo, pelo controle excessivo e pela centralização, isto é, pelos estilos das empresas que reconheciam como menos eficientes.
Assim, o maior legado que Likert nos deixou com essa pesquisa é a indagação que até hoje persiste e está na base de todo o problem
a de desempenho empresarial: o que faz com que a alta administração de uma empresa, quando precise restringir custos, resolva adotar justamente um modelo administrativo que reconhece como menos eficiente em tempos normais e que, portanto produzirá o efeito contrário?”.
Não estamos falando de posturas como apertar as mãos sobre o volante, manter o olhar fixo e concentrado na estrada perigosa, controlar a velocidade e desviar de buracos inesperados para evitar despesas indesejáveis. Até aí chegam as boas práticas para tratar de situações especiais. Mas deixar de olhar os pneus que ficaram carecas, postergar a revisão de amortecedores cansados e dos freios gastos como regime de economia, justamente quando mais precisamos deles, seria absurdo. Pois esta é a incoerência que encontramos na gestão empresarial quando deixamos de inv
estir nas pessoas, esfriamos as relações e aumentamos o uso da autoridade quando se trata de apertar os cintos. As consequências recaem sobre os pneus, amortecedores e freios. Que crenças existem por detrás disso?
Com base na teoria acreditamos que liderança, motivação e comprometimento, quando sustentados ao longo do tempo, produzem resultados duradouros que nos servirão mais quanto mais difícil seja o momento.
Porem, na prática, a forma de agir da maioria dos altos executivos diante da crise é tão diferente que somos obrigados a indagar: são mesmo os modelos de gestão participativos e a boa liderança que constroem a produtividade e o lucro das empresas ou, ao contrário, as sobras de caixa é que os financia? Por mais indesejável que possa parecer, a realidade claramente nos mostra que investir em pessoas ainda é considerado uma despesa, (que o caixa tem que garantir) e não um investimento (para melhorar o caixa).
O que dizer então da frase emblemática, disseminada e exibida em tantas empresas: “As pessoas são o nosso maior patrimônio”. Isto é verdadeiro ou é apenas uma frase de efeito? Podemos até acreditar na mentira dos outros. Mas seria rematada insanidade acreditar nas nossas próprias mentiras. Afinal, acreditamos o
u não que a boa gestão de equipes e a liderança tornam as pessoas nosso maior patrimônio? E como fazer para obter boa gestão e liderança? Tornando os gestores executores também? Tornando-os tensos, pressionados, ameaçados?
Os economistas nos dariam uma explicação simples: a eficácia de uma despesa (retorno) não vai alem do horizonte que está sendo gerido. Assim, se estamos administrando para um ano a frente, toda a despesa cujo retorno ultrapasse este prazo parece ser ineficaz e é melhor que não seja feita. Como os investimentos em pessoas tem um prazo maior de retorno esta rubrica não é pautada.
O que não funciona nessa explicação é que o horizonte da administração fique condicionado pelo problema da vez e não pela visão do administrador sobre o todo.
A consequência é que os problemas sérios, de grande abrangência e profundidade são tratados apenas na parte que provoca a dor presente; o tratamento se torna sintomático e a parte que não dói na hora fica s
em remédio.
É a mentalidade do homo economicus, que se pauta pelos números de curto prazo, num contexto em que a meta do ano é mais importante do que continuar sobrevivendo nos anos seguintes.
Paciência. Para os dias de hoje, é o que temos. Parece, mesmo, que não há vida além do final do exercício.
Rio de Janeiro
[1] Likert, Rensis. The Human Organization: Its Management and Value. 1967. McGraw Hill, Inc.
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