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Foto do escritor Ayrton Rochedo Ferreira

Casos da vida empresarial - A recepção.



Ele estava assumindo a Presidência naquela semana. Havia comandado a Alpha - uma conceituada empresa concorrente - até o mês anterior. Comentava-se que sua contratação iniciava uma fase de grandes mudanças na Beta. Como era de praxe nesses casos, foi agendada uma visita pelas dependências da Indústria. Ao chegar ao departamento de Contabilidade, o novo Presidente comentou com Damião, o Gerente Administrativo que lhe acompanhava:

- Lá na Alpha, certa vez, nós mandamos tirar as paredes dos Departamentos; em seu lugar construímos pequenas "baias"...

Disse isso e foi interrompido para mais uma apresentação; e depois mais outra e outra e assim continuou a visita, num rosário de rápidos contatos com os principais executivos de cada área.

Quando o "tour" acabou, quase 40 minutos mais tarde, um correio foi parar na sala do Supervisor de Serviços Gerais: "Procure-me antes do almoço. Urgente! Damião". O jovem Supervisor apressou-se em ir à sala do chefe. Damião o recebeu com fisionomia ansiosa:

- Vamos ter que arrancar todas as divisórias internas do prédio administrativo. O homem só quer baias.

Ele me falou pessoalmente, durante a visita. Prepare um Projeto. Faça um Orçamento. Bote foco nisso... e urgência!

À tarde, toda a empresa se agitava, por conta da novidade. Damião recomendara certa reserva, mas os principais Gerentes ligaram diretamente para ele, quando a notícia se espalhou:

- Como eu vou poder fazer entrevistas de seleção e desligamento, numa baia, sem privacidade...?

- Onde eu boto meus analistas fazendo Projetos? Onde eu mantenho uma conversa privada com um subordinado que precisa de orientação...?

- Imagine eu recebendo um Cliente, no tumulto do Departamento...!

- Como eu vou espremer preço e prazo dos nossos Fornecedores? Num grande salão cor de rosa com os demais assistindo e aguardando a sua vez?

Ele lidava com os comentários como podia. Primeiro experimentou a estratégia do fato consumado: "Temos que nos adaptar ao novo estilo. Outras mudanças virão. Quem não concordar, vá à sala do homem e reclame.”

- Ah, o homem vai ter sala! Faça uma baia para ele também, desafiou alguém mais indignado.

No final do dia Damião já utilizava um estilo mais leve: "Teremos pequenas salas de reuniões para os casos mais específicos. Todos vão ser atendidos.”

O resultado também não foi muito bom:

- O Damião está alugando salas para os casos mais urgentes. Vai virar imobiliária!

À noite, como esperado, houve um coquetel de recepção, seguido de jantar, para o nível Gerencial, oferecido pelo novo Presidente. Damião já tinha no bolso um anteprojeto e uma estimativa de custos. Era só uma primeira idéia, mas deixava claro como a Gerência Administrativa reagia rápido às mudanças.

Circulando entre os presentes, aproximou-se de um pequeno grupo onde o novo Presidente parecia prender a atenção de todos, com um relato. Chegou a tempo de escutar o final:

- Foi aí que nós aprendemos lá na Alpha, que as baias, em certos casos, impõem barreiras de comunicação maiores que as paredes. A espontaneidade, que vem da privacidade, dá lugar a atitudes de alerta e defesa permanentes. Os comportamentos se tornam preconcebidos e artificiais... Para tarefas que exigem criatividade, análise, avaliação, ou para grupos onde o comportamento interpessoal é um fator crítico, as velhas paredes ainda cumprem muito bem o seu papel!

O Presidente acabou... Ato contínuo, todos se voltaram para Damião. Na expressão dos colegas, o riso contido...

Na expressão do Presidente, a surpresa com a fisionomia ridícula do recém chegado.

- Que cara é essa, Damião! Chegou atrasado para a história? - brincou.

- Não "chefe", - atalhou aquele que de tarde lhe havia desejado uma baia - neste caso o Damião está muito adiantado!

A risada veio fácil e foi geral. Só o novo Presidente não entendeu. Logo, porém, alguns se apressaram a explicar em absoluta primeira mão, o que tinha acontecido.

Aproveitando-se da falsa intimidade que a situação propiciava, todos, em pouco tempo, contavam a sua versão da história e a recheavam com detalhes engraçados, que reproduziam as cenas daquela tarde. Cada um narrava a sua indignação a seu modo, fazendo questão de demonstrar que sabiam, de antemão, que o novo chefe jamais teria um desejo tão absurdo.

Não se importavam com Damião, ali presente, cercado por todos, mas sozinho; o importante era aproveitar aqueles curtos minutos de descontração para criar boas impressões no presidente que chegava, mesmo à custa do fracasso de um colega.

Finalmente, o novo chefe entendeu... Entendeu que Damião não estava sozinho, como parecia. Todos tinham alguns traços comuns, naquele grupo: baixa auto-estima, grande necessidade de comprar simpatia a qualquer custo e uma tendência enorme ao alinhamento, sem questionamento, provavelmente para garantir sobrevivência.

O novo chefe entendeu que, com aquele time, era ele, provavelmente, quem ficaria sozinho. Na sua mente apareceu uma frase: "A recepção que virou decepção”.

Teve vontade de refletir um pouco sobre a imagem que lhe surgia, mas logo sua atenção foi reclamada por alguém do grupo que pedia o seu momento de atenção. Desta vez era um dos mais jovens da equipe e mencionava um artigo onde se criticava a prática de ambientes sem paredes. Citava o autor - estrangeiro, para maior credibilidade - e lembrava alguns trechos, que deixavam claro o quanto o novo chefe estava certo. O jovem garimpador de publicações politicamente convenientes até se oferecia para reproduzir a matéria e já levantava, entre os presentes, a quantidade necessária de cópias, que, naturalmente, incluía o Presidente.

Foi quando alguém, mais cruel e oportunista, sugeriu:

- Entregue o original ao Damião... Ele precisa ler primeiro antes de reproduzir.

Todos riram um pouco mais e depois foram jantar. Um lugar ficou vazio.

Para pensar...


Cultura & Poder nas Organizações.


Não é, necessariamente, o Poder, que impõe, com a sua força, os valores e crenças da Cultura Organizacional; muitas vezes é a fraqueza da estrutura, com seu alinhamento incondicional e seus vazios ideológicos, que transforma em cultura os estilos e desejos do Poder, sem nem ao menos, questioná-los.

Toda a cultura deve se desenvolver num ambiente de questionamento contributório, que emerge do meio de pessoas adultas. Propiciar este ambiente é o verdadeiro papel do Poder na construção de uma cultura de valor.

Talvez a pior herança que a cultura hierárquica deixe para o comportamento organizacional, seja este viés de conveniência que os subordinados descobrem para sobreviver aos estilos autoritários: o alinhamento, a indiferença e o descomprometimento.


*Os nomes utilizados são fictícios.


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