Gestão por Processos é o mais novo luxo das organizações. Todos querem processos, todos se enamoram pelos processos, pouquíssimas pessoas sabem o que fazer com eles. É como se uma aura de aprovação implícita estivesse presente sempre que se trate de falar sobre o assunto nas empresas, mesmo naquelas que o confundem com rotinas funcionais de trabalho. O problema não é novo e é comum em administração. A adoção se faz pela embalagem, - “precisamos investir em Qualidade, em Liderança, em...” – e estas idéias penetram os espaços organizacionais com a força de uma promessa, de (mais) uma panacéia para todos os males. Pouco nos aprofundamos, no entanto, sobre os seus verdadeiros significados e sobre os requisitos que temos que atender para harmonizar os sistemas de gestão existentes com a “boa nova”.
A falta desta harmonização produz o efeito “sofá novo”, que nos leva a recusar o seu uso porque não combina com a mobília antiga. Não falamos mal dele, (até porque custou caro) mas nada fazemos para obter o benefício que poderia trazer, porque não estamos dispostos a mexer nos móveis da sala para recebê-lo.
A adoção de um modelo de Gestão por Processos produz impactos semelhantes a estes sobre o ferramental administrativo construído para uma empresa funcional, requerendo revisões importantes nos sistemas e nos estilos de gestão para alinhá-los ao foco da cadeia horizontal de atendimento.
Podemos destacar as seguintes mudanças requeridas em alguns desses sistemas para se harmonizarem à Gestão por Processos:
Desempenho de equipes
Os indicadores de atendimento a clientes internos passam a ser considerados como parâmetros para o desempenho das equipes. Os clientes internos passam a ser avaliadores naturais dos seus respectivos fornecedores. (Não confundir com avaliação 360, cuja escolha não é causal e se faz por empatia, podendo recair sobre um colega que não guarda nenhuma relação fornecedor è cliente com o avaliado)
Recrutamento e seleção
Na medida em que o atendimento à cadeia horizontal é reconhecido, passa a ser natural a idéia de que uma equipe trabalha para seus clientes internos e não para seu chefe. Torna-se extremamente relevante, portanto, a introdução dos clientes internos como participantes das rotinas de seleção dos candidatos finalistas.
Treinamento
As três questões básicas de treinamento: “Aprendeu?”, “Colocou em prática?”, “Produziu os efeitos esperados?”, devem passar por um realinhamento importante com o foco em processos. Os efeitos esperados passam a ser medidos pelo atendimento aos processos clientes, vindo, portanto, da necessidade de atender aos clientes internos as principais demandas que justificam um treinamento.
Orçamento
O orçamento passa a ser construído por processos e estes podem ser orçados pelos seus componentes estruturais da base para o topo: rotinas, serviços, esquemas. Esta construção permite também sumarizações por Cliente e demais partes interessadas, para se conhecer o valor agregado pelo Processo em suas relações internas e externas. Uma grande mudança neste aspecto verifica-se na forma de cobrança: do modelo “radial”, em que uma Diretoria cobra de toda a Empresa os seus respectivos orçamentos, passa-se a praticar também o modelo “em cadeia”, em que cada Processo sente-se autorizado a cobrar dos processos fornecedores os custos que lhe são repassados e exigem “custos menores com serviços melhores”.
Metas
As metas desdobradas por delegação, passam a receber um componente horizontal importante: são as metas de atendimento, que se originam nos serviços prestados por um Processo aos seus clientes internos, na medida em que estes serviços agreguem valor às metas verticais do BSC.
Produtividade
Duas medidas importantes de produtividade são adicionadas ao repertório de indicadores.
A primeira é o fator de atendimento, calculado pela relação entre o custo dos serviços prestados e o custo total do Processo.
A segunda pode ser considerada como custo de administração do Processo e mede-se pela diferença entre o seu custo total e o custo dos serviços prestados.
Liderança
O realinhamento de todas as dimensões anteriores produz uma profunda revisão no papel da liderança e da hierarquia num contexto de Gestão por Processos.
Esta reflexão só faz reafirmar o conceito original da liderança que é o colocar-se a serviço de sua equipe para garantir o atendimento de seus clientes.
A Gestão por Processos enfrenta inúmeros obstáculos ao ameaçar a cultura secular dos arranjos verticais, buscando a sua razão de ser no Cliente. Tal ousadia tem um alto preço a pagar! Entronizar o Cliente com o direito de exigir ou recusar, ao longo da cadeia horizontal de atendimento, é um desaforo cultural que mexe fundo na aristocracia do poder. Esta concepção e o impacto de sua aplicação prática na gestão dos negócios trarão uma das mais profundas transformações na história da administração, só comparável, talvez, à aceitação científica, ocorrida no início da década de 50, de que os motivos humanos são mais fortes que a autoridade no desempenho da produção. “Temos que aceitar que os motivos dos trabalhadores influenciam a produção” foi a conclusão que mudaria o mundo da época. Agora, a eloqüência da lógica que apóia a concepção dos processos (“é na cadeia horizontal que se alcança o Cliente final”) forja a nova conclusão que mudará o mundo atual: “Temos que aceitar que ninguém é pago para trabalhar para chefe; estes é que são pagos para trabalharem pelo desempenho de suas equipes, na cadeia horizontal”.
Quererão as empresas, neste caso, auferirem os ganhos de conteúdo encontrados no âmago da Gestão por Processos ou se contentarão apenas com os ganhos da aparência, que exibe o sofá novo e não mexe com a mobília antiga?
Rio de Janeiro
Comments