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ARTIGOS

 

QUANDO FAZER MAIS E MELHOR NÃO É A SOLUÇÃO

Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira

 

 

No inicio do século XX o biólogo escocês D`Arcy Thompson constatou que animais de pele dura crescem até um certo tamanho; além desse ponto, um animal terrestre precisa de um esqueleto. No entanto o esqueleto não evolui geneticamente a partir da pele dura. É necessário outro DNA.

 

Em 1962, Thomas Kuhn escreveu “A Estrutura das Revoluções Científicas”, onde propõe que todos os ciclos evolutivos de percepção da realidade e construção de conhecimentos encontram limites intransponíveis em nossas estruturas mentais, que para serem rompidos precisam de um novo começo, de uma nova referência, de uma nova organização mental. Ele chamou estas estruturas referenciais de paradigmas e concluiu que os rompimentos – a cada vez que ocorrem - marcam o início de um novo modo de entender a realidade.

 

A conclusão de D`Arcy poderia ter ficado esquecida no domínio da biologia não fosse à visão arguta de um célebre consultor de gestão empresarial tê-la tirado de lá e a utilizado como sábia metáfora no campo da gestão empresarial, demonstrando um novo paradigma. O que acontece com os animais de pele dura também acontece com a administração empresarial, concluiu o consultor. Ela não consegue evoluir de “familiar” para “profissional”. Mesmo mudando seus ocupantes, a realidade empresarial só muda se mudarem seus pressupostos e concepções, caso contrário ela continuará familiar, não obstante ter incluído novos nomes na estrutura. “A administração profissional, portanto, não é sucessora da familiar, mas sim sua substituta”, finalizou.

 

O consultor, mundialmente admirado pelo conjunto de sua obra, chama-se Peter Drucker.

 

Penso que a metáfora de Drucker sobre os limites evolutivos, juntamente com o dilema da transição, formulado por Kuhn na teoria dos paradigmas, nos autoriza a outra conclusão mais abrangente e urgente no campo da gestão e liderança: um executor jamais se tornará um gestor, fazendo mais e melhor a mesma coisa. O futuro previsível de um bom executor é tornar-se um executor mais antigo; não adianta engordar uma jibóia porque ela jamais vai virar um elefante. Não é uma questão de tamanho, mas de DNA. Elefantes têm outra origem genética. Gestores precisam de outra estrutura mental, nem melhor, nem pior que a dos executores, apenas diferente.

 

Apesar de sabermos fazer esta separação conceitual de papéis, a tradição oral nos faz repetir sem parar um conhecido mantra “perdi um ótimo executor e ganhei um péssimo gerente”. Quando vamos parar de entoá-lo? 

 

A questão não é o que se espera de cada um, mas como produzir a transição de um para outro, já que ela não se dará por evolução, mas por recomeço.

 

Na crença original a diferença estava na autoridade. Bastava outorgá-la a alguém, que estaríamos criando um gestor. Mais tarde compreendeu-se que não bastava mandar, era necessário saber mandar, e os gestores foram mandados às escolas de administração para aprenderem a utilizar a autoridade.

 

Só muito recentemente compreendeu-se que a autoridade não produz desempenho, somente obediência. Compreendeu-se, também, que a autoridade é, apenas, um pré-requisito da gestão, não a sua essência. Portanto ela não serve de adorno para exibição.

 

A essência da gestão está na capacidade de se obter desempenho sustentado, ao longo do tempo. A essa altura tivemos que reescrever outro mantra da gestão: “manda que pode...”, lembram? A nova oração diz: “manda quem pode, obtém desempenho de uma equipe quem tem competência”. Mandar é fácil. Difícil é produzir o resultado sustentado.

 

Como prover este novo início àqueles que desejam abraçar esta nova missão? Como alcançar esta nova caixa de ferramentas, já que as ferramentas que o executor usa com maestria não servirão para isso?

 

A solução está na aceitação de um pressuposto básico, que sustenta um novo quadro de referências para a gestão empresarial: o papel dos gestores é formar pessoas.  Mas não devemos nos iludir com palavras, pois o papel dos pais também é formar os filhos e nos debatemos em um oceano de controvérsias sobre como formá-los.

 

No entanto, há um importante elo entre estas duas realidades (formar pessoas e formar filhos): a responsabilidade. Pais e gestores têm responsabilidades equivalentes, uns perante a sociedade e outros perante os acionistas, clientes e sociedade, quando se trata de formar pessoas.

 

Este é o novo modelo mental: a principal responsabilidade dos gestores é com as pessoas que executam as tarefas e não com as tarefas executadas pelas pessoas. Isto não é um jogo de palavras, mas uma perspectiva lógica que não pode ser invertida. Considerar apenas o produto de um trabalho e não seu operador só é permitido a quem compra (porque não tem responsabilidade pelo executor e se necessário troca o fornecedor). Mas com relação às equipes que formamos e gerimos, os operadores devem nos preocupar mais do que a coisa produzida.  E a razão é simples: somente com foco nas pessoas teremos tarefas bem executadas, com conformidade e produtividade sustentadas. Se colocarmos o foco apenas nas tarefas, como sempre fizemos, (afinal, é por elas que somos cobrados de cima, não?) podemos passar a vida reclamando das pessoas que executam mal, trocá-las várias vezes e concluir melancolicamente: “hoje em dia, está muito difícil trabalhar com as pessoas.”. Talvez por isso achemos que aqueles poucos que executam bem, sem nos dar trabalho, merecem ser promovidos a chefes.

 

E como os gestores poderão dar conta de sua responsabilidade, neste novo papel? Terão que rever alguns pressupostos importantes:

 

1o pressuposto

 

Os pressupostos originais dos gestores:

Meu subordinado trabalha para mim.

 

O novo modelo mental dos gestores:

Meu subordinado trabalha por mim.

 

Comentários:

 

Isto produz duas importantes conseqüências: 

 

1 - No papel que eu espero dele: que me represente nas tarefas que executa. Terei que me esforçar para que não me desaponte.

2 – Na relação que eu sustento com ele: dele eu não recebo, apenas, um par de mãos e um feixe de músculos adicionais. Eu recebo uma pessoa, com inteligência, emoção e interesse, a quem vou atribuir a responsabilidade de me representar em tarefas que precisam ser igualmente significativas para nós dois.

 

Os pressupostos originais dos gestores:

 

O novo modelo mental dos gestores:

 

Comentários:

 

Os pressupostos originais dos gestores:

 

O novo modelo mental dos gestores:

 

Comentários:

 

Os pressupostos originais dos gestores:

 

O novo modelo mental dos gestores:

 

Comentários:

 

Os pressupostos originais dos gestores:

 

O novo modelo mental dos gestores:

 

Comentários:

 

 

Convém reler a tabela para nos certificarmos se estamos em condições de patrocinar para nossos executores a transição para o mundo da gestão e liderança, porque para formá-los neste novo mundo, primeiro nós precisamos estar nele, com convicção.

 

Depois, é preciso saber que não se trata de uma ação pontual (32 horas de treinamento, por exemplo), mas de um processo gradual de formação de pessoas, que exige competências absolutamente novas para o antigo executor.

 

Este processo requer dedicação, disponibilidade e acompanhamento. Requer criar possibilidades para os integrantes que queremos formar, (você vai conseguir, conte comigo!), e não somente expectativas (se você conseguir...). Requer renunciar ao palco em favor na equipe (vocês fazem o gol).

 

Requer autocrítica (se eles erraram, onde eu falhei com eles?) e sentimento de auto-realização (eles conseguiram!)

 

Este processo, bem conduzido, fará com que o novo gestor venha a receber a liderança da sua equipe, ao longo do tempo. Só a equipe pode conceder liderança ao seu gestor. Diferente da autoridade, que é outorgada pela hierarquia.

 

Dois erros, não fazem um acerto.

 

O caminho de formar pessoas é trabalhoso, envolve incertezas e requer tempo. Para obter novos gestores em seus quadros, fugindo deste pesado fardo imposto pelo dilema da transição, a cultura administrativa imaginou um atalho com requintes de elitismo intelectual: já que é difícil transformar um executor em gestor, porque não buscá-los entre os jovens universitários que ingressam nas empresas?

 

Mas o que trazem estes jovens para serem melhores gestores que os executores “cascudos”, além de requinte intelectual em algumas áreas de conhecimento? A educação universitária será suficiente para torná-los gestores? Sabemos que não.

 

Nosso sistema educacional nos forma para sermos a “pessoa só”, com domínio de conhecimentos acadêmicos, mas sem nenhuma competência relacional para trabalharmos com pessoas (a não ser as características natas de alguns).

 

Portanto teremos com nossos jovens universitários idêntico trabalho de formação, com vantagens pela riqueza de conceitos que trazem de seus estudos, mas com a desvantagem de ainda não conhecerem os jogos que se jogam no mundo corporativo.

 

Por outro lado, a opção única pelos recém formados retém importante parcela do contingente de trabalhadores em cargos de execução, impedindo que mediante processos de formação adequados, desenvolvam novas competências para se tornarem gestores.  Retidos em seus cargos de execução e com legítimos anseios de crescimento, em pouco tempo sentem-se frustrados, depois desmotivados e por fim, descomprometidos, com importantes efeitos sobre o desempenho e os resultados. Nossas políticas de remuneração ainda não acolhem adequadamente o alto desempenho de executores, que além de mais antigos poderiam ser também diferenciados em seus salários diretos ou indiretos, continuando como executores em mais alto nível. (Carreira em Y)

 

Assim, temos de um lado executores retidos em seus estratos operacionais, que se frustram por permanecerem lá e nos frustram quando são lançados a cargos de gestão, por não saberem trocar suas caixas de ferramentas; de outro lado, temos jovens saídos das universidades, lançados muito cedo em cargos de gestão, que, igualmente nos frustram por não trazerem nenhuma caixa de ferramentas.

 

Pensar que é melhor ensinar a estes do que aqueles, porque não trazem os vícios da execução é um raciocínio excludente e comodista, que aumenta o abismo e bloqueia oportunidades de desenvolvimento. Este é o segundo erro.

 

Voltando a metáfora de Drucker, o melhor mesmo é conhecer o DNA da gestão e estar preparado para formar novos líderes, vindos do chão de fábrica ou da escola. Este é o trabalho dos gestores: formar pessoas que sejam até melhores que eles próprios, de forma alinhada com a cultura e com estratégia de suas empresas.

 

 

 

 

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